Sem nós

Sem nós
O que me prende a ti não são laços. Talvez, nós.

sábado, 3 de dezembro de 2011

O Tocantins é ali!

Washiton (a grafia é mesmo assim, de certidão) é o porteiro e o "faz tudo" do bloco onde moro, no Setor Sudoeste de Brasília. A curiosidade de menino faz de Washiton uma daquelas figuras que quer sempre saber de tudo o que acontece. Porteiro, jardineiro, faxineiro e outros "eiros" que aparecerem, Washiton passa o dia entre correspondências, limpeza de vidros e a faxina do piso e... das escadas. Ah... e, é claro, sempre por perto da vida dos moradores do lugar.


Alegre, extrovertido e ingênuo, Washiton não tem papas na língua quando o assunto é salário, o pito do síndico e os rompantes da moradora do primeiro andar.

"Ana, ela falou alguma coisa de mim na reunião de condomínio?"... Não, Washiton! Claro que não!

E eu vou lá falar que a mulher reclamou que viu Washiton enrolado na toalha saindo do banheiro do salão de festas???? Quem manda olhar...

No início do ano, me atinei que Washiton tinha uma família. Embora more no segundo andar, acordei com os berros dele ao celular. Descobriu que tinha sido traído pela mulher e que a filha de 15 anos estava grávida.

Desci pra caminhar e encontrei um Washiton esbravejante: "Ela me botou chifre, Ana, e a minha única filha está prenha".

E, eu, sem entender direito, disse aquelas palavras costumeiras "tudo vai passar", "nossa, e agora?". E segui meu caminho... afinal queria perder uns quilinhos e precisava chegar cedo no trabalho.

E lá se foi o tempo...o ano chegou ao fim. Onrtem, como faço quase todas as manhãs, sintonizei meu radinho, despachei o lixo e...me deparei com um Washiton de olhos e nariz vermelhos. Aos prantos, ele contou que a filha e a netinha, recém-nascida, estão de partida. "Ela vai morar com um homem lá no Tocantins", dizia soluçando. "Vai levar a Yasmim", disse me mostrando a foto do mais novo membro da família.

E aí, caiu a ficha. Pensei em como a vida é dinâmica... me senti mesmo "à flor da pele" como diz aquela música cantada por Gal e Zeca Baleiro.

Washiton ainda me mostrou a mensagem que a mulher dele - perdoada após o tal do chifre -, enviou:

"Meu bem, nossa filha cresceu. Ela precisa seguir a vida dela. A gente tem agora, além de uma filha, uma netinha. Como a nossa família é bonita."

Vi um Washiton feliz. Fazendo planos para o Natal: "Ana, estou pedindo a todos que costumam me dar cesta, que me repassem o dinheiro. Pode ser? Você se importa? É que eu quero fazer um Natal bem bonito pra minha família. Minha filha viaja logo depois.

Hoje, Washiton traça planos. Teve de volta o amor da mulher, passeia com prazer entre fraldas, as latas de leite que adora comprar pra neta e, mais grandioso do que tudo, é um belo exemplo da pureza do ser humano.

"A passagem pro Tocantins é cara, Ana?".

Nem que seja, Washiton.

A gente dá um jeito.

domingo, 25 de setembro de 2011

Oferendas


Já ofereci os meus sinos
badalei, badalei.
Entreguei os meus mimos,
me rendi.
Mesmo assim
sinto que denegri
os meus tinos.
Anseios, loucos caminhos.
E nem sei mais
porque cismo
em desenterrar
os meus hinos.
Pedaços tão toscos
de mim.

domingo, 11 de setembro de 2011

Quando os olhos brilham

Saudade...
dos coretos, dos bancos de praça, dos doces de leite e de amendoim,
vendidos em tabuleiros levados na cabeça e cobertos por panos de prato.
Da magia dos hippies com seus colares de conchas
espalhados em cima de panos coloridos.
Da bisnaga enrolada em papel e levada em cestos de casa em casa.
O velho navio ancorado em Angra...
O apito do trem nas trilhas de Mangaratiba...
O carnaval de Muriqui...
A manteiga derretendo ao calor,
As lagartixas na parede... a esteira...
A casa fechada cheirando a mofo
e lavada sempre a muitas mãos
nas férias de janeiro.
Saudade nunca machuca.
É um lembrar gostoso
que queima devagar o peito
e deixa um sorriso bobo no rosto.

sábado, 3 de setembro de 2011

Destino


Seus desenganos
são mero desatino...
falta de prumo,
de rumo certo,
o descompasso,
em pouco espaço.
Um alívio...
o aceite...
um pacto.
Seus desenganos
se camuflam
em finas estampas.
Escapam ao controle
e mudam de canal.
Se o desatino
é um compasso...
a falta de rumo
é um alívio
por aceitar o pacto
do seu destino

em pouco espaço.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Régua T

O braço que te enlaça
que te sufoca os sentidos
passeia por sobre
vértices desenhadas
em perfeita arquitetura
de traços anatômicos.
O braço que te enlaça
em perfeito encaixe
não usou régua T.
Brincou com o arrepio da pele
e peitos ávidos.
Sugou o que nada tem
de sutil
mas que carrega a essência
da energia inalada.
Um certo ar rarefeito
como pequenos experimentos
de um gás mortal.
Veneno que paralisa os sentidos
e torna os gestos imortais.
Um intenso arco
que molda plasticamente os desejos
de seres tão diferentes e iguais.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Amores antigos

Amores antigos
são como moinhos.
Trituram, moem
mas não perdem a beleza.
A nós cabe, apenas,
pulverizar os rastros, o concreto.
E aproveitar os ventos
como fonte de energia
para drenar,
ao mar,
a água que corre
dos  olhos.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mosaico

Somos parte e começo
de uma longa história
como mosaicos
em mãos habilidosas
que dão forma ao desconexo.
E nos deixamos expor
em molduras como quadros
ao alcance dos olhos
e longe das mãos.
Ficamos assim por horas
formando elos possíveis.
Você e eu
sombras que dançam
na parede do meu quarto.

Ser-árvore

Somos feitos
da mesma espécie
de árvore.
Daquela que adora quintais
e se deixa cobrir de flor
na estação certa.
Os caules entrelaçados
aquecem braços do mesmo tronco.
Somos árvores centenárias
por termos a alma antiga
e o amor
cravado como raízes
no fundo da terra.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Tempero


Se não preciso de você
e nem você de mim...
estamos quites, não?
Dobre a esquina.
Não olhe pra trás...
Mas continuo aqui
usando o mesmo corte de cabelo
as mesmas blusas sem cores.
Não quero e nem preciso de acessórios.
Diferente do que você pensa
não sou feita de adornos ou enfeites.
A vida, pra mim, meu caro
É marinada em azeites.

sábado, 30 de julho de 2011

Apenas um fruto

Sou um fruto.
Meu cheiro é irresistível.
Mesmo assim,
espalho sementes.
Mas não fico apenas nisso.
Ofereço flores
e me cubro de cor.
Esparramo em seus lábios
o agridoce
que sua língua acaricia.
Seus dentes mordiscam
o tenro recheio
que invade sua boca.
Meu sulco.
Mas, sou apenas um fruto
e me reproduzo em muitos
nos caroços que, no fim,
você joga aos quatro ventos.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Em tons de gris

Hoje, o cinza que vestia
minha pele
despertou entre cores.
Foi além do arco-íris,
das opções de aquarelas.
Se permitiu experimentar.
Então...
entregou-se a pincéis,
se abriu a novos tons
despertou os mais delicados
pintores.
Hoje, o cinza que vestia
minha pele
esparramou-se
em telas brancas.
E ficou assim
por horas e horas
sem pedidos,
sem direcionar os traços.
Apenas um eu,
neutro e cinza
que se deixou
cobrir de cor.

sábado, 9 de julho de 2011

Sem lógica

Não sei por onde anda sua alma.
Não sei aonde estão seus amores.
Mas meu traço ainda é o mesmo.
Espera, apenas, a intersecção com o seu.
Mas sei que as conversas
são tão matemáticas
que perdem-se em equações.
E, eu, nem tenho estatísticas.
Por isso sento e espero
uma análise sintática,
uma interpretação de texto
ou a resposta correta
que conjugue o verbo,
recomponha a frase
e desvende o caminho.

Como tricô

Sou apenas o que te cutuca
o que te faz rir.
Sigo a trilha que traças
e, mesmo assim,
me escapas
como pontos de tricô
que entrelaçam
os dedos das meninas.
Apenas rastros
que bordam
as pontas de panos
que encobrem rostos
e ornamentam
almas esquecidas.

Ausências

Não sabia que o amor
podia ser tão passivo.
Algumas vezes, até,
permissivo.
Não sabia que gostar
transcende
o instinto de sobrevivência.
Gostar desperta nosso lado
mais infernizante,
aquele que cospe fogo
e acende a parte obscura,
que levanta em poucos segundos
um muro.
Retrato de nossas ausências.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vestes

Não sabemos nunca o que esperar
mas faça chuva ou sol
se acordarmos....
temos algo a fazer sim.
E mesmo na tristeza...
temos algo a fazer sim.
As emoções, os acontecimentos
seja qual for o motivo,
o problema ou o ganho...
temos sempre uma chance
de escolher.
É sempre assim
que penso
quando troco
minhas vestes.